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68% das famílias brasileiras gastam mais do que ganham

Há sete anos o índice era ainda maior: 85% da população fechava o mês no vermelho. Pesquisa do IBGE também revela que gasto com transporte já é igual a despesas com alimentação

Quase 40 milhões de famílias brasileiras – 68,4% do total – chegam ao fim do mês sem fechar suas contas. Suas despesas mensais superam seus rendimentos, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008-2009. Mas tal realidade estava presente em um universo ainda maior de famílias em 2002-2003: 85,3% do total.

Quando perguntadas sobre sua percepção com relação ao orçamento familiar, 75,2% das pessoas relatam ter dificuldade para chegar ao fim do mês com o seu orçamento. O déficit na conta bancária, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ocorre nas famílias com rendimento de até R$ 2.490. “Essas pessoas certamente têm de recorrer ao endividamento para consumir e fazer frente a outras despesas”, diz Sônia Rocha, economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Ainda assim, a maior parte dos dados revelados ontem pelo IBGE mostra uma melhora no perfil das despesas do brasileiro. Os alimentos, por exemplo, passaram a pesar menos no orçamento das famílias. Eles representavam 20,8% das despesas de consumo de um lar em 2002 e 2003, e atualmente correspondem a 19,8%. Já os gastos com transporte cresceram no mesmo período e correspondem a 19,6% das despesas mensais. Boa parte desse incremento pode estar associada ao aumento do crédito para a compra de automóveis.

Segundo o presidente do IBGE, Eduardo Nunes, esse movimento representa uma mudança de padrão do consumo das famílias brasileiras, rumo a um patamar mais próximo de países desenvolvidos. “Além de observar essa mudança de peso de gastos com alimentação e transporte, outros componentes ganham lugar, como despesas de habitação e os bens de consumo adquiridos”, afirmou.

Para Marcia Quintslr, coordenadora do IBGE, os dados da pesquisa mostram que “mais famílias estavam numa situação de equilíbrio orçamentário” em 2009 do que na pesquisa anterior, encerrada em 2003. É que nesse intervalo, diz, cresceu o emprego e o rendimento, o que permitiu a um número maior de famílias equilibrar as suas contas.

Os dados da POF mostram que as despesas totais das famílias (com consumo, impostos, encargos e outras) cresceram menos no intervalo entre 2002-2003 e 2008-2009 (5,98%) do que o rendimento (11%) total oriundo do trabalho, de aposentadorias e outras fontes. Isso possibilitou folga de caixa para mais famílias.

Segundo o economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas (FGV), o rendimento total cresceu mais ainda se for levado em conta que o tamanho médio das famílias brasileiras caiu nesse intervalo de tempo: de 3,6 para 3,3 pessoas.

Desse modo, a renda familiar per capita, calcula, subiu 22% em termos reais e possibilitou a melhora na situação financeira de alguns domicílios.

Insuficiente

Ao responder sobre sua percepção da quantidade de alimentos consumida, 35,5% das famílias avaliam que ela é, em algum nível, insuficiente. Esse porcentual, no entanto, também era mais alto na pesquisa anterior: 47%. A restrição no acesso a alimentos é mais grave nas áreas rurais, onde 45,6% fizeram referência à falta, em algum grau, de gêneros alimentícios à mesa.

População come cada vez mais fora de casa

As famílias brasileiras destinaram uma fatia menor do seu orçamento para a alimentação nos últimos anos. Ao mesmo tempo, passaram a comer mais fora de casa. As duas tendências indicam expansão da renda e maior inserção no mercado de trabalho, apontam os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).

As despesas com alimentação cederam espaço para gastos em transporte (que incluem a compra de veículos), saúde e lazer, entre outros.

“Aumentou a oferta de produtos e serviços, e o consumo ficou mais diversificado”, diz Marcia Quintslr, coordenadora do IBGE. Nos anos 70, a alimentação representava mais de um terço do orçamento familiar, e o transporte, pouco mais de 10%. Em 2008-2009, ambos praticamente se igualaram em pouco mais de 19%. O maior gasto é com habitação: 35,9%. Em 1974-1975, era de apenas 30,4%. A alimentação fora de casa corresponde a 31,1% do total de gastos com a compra de comida – era de 24,1% em 2002-2003. Entre os mais ricos, quase metade do gasto com comida ocorre fora do domicílio. “Esse tipo de despesa embute um pouco de lazer, de vida social, como sair para jantar. Mas reflete também o maior poder de compra”, diz Sônia Rocha, economista do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets).

Educação

Os gastos com educação caíram de 4,1% do orçamento em 2003 para 3% em 2009. O ensino, por sinal, é determinante no padrão de consumo das famílias: naquelas cujo chefe tem mais de 11 anos de estudo, as despesas superam em 207% as lideradas por chefes com escolaridade inferior a um ano – essa diferença era, porém, de 400% em 2003.

Saúde

As famílias brasileiras estão gastando bem mais com plano de saúde. De acordo com a pesquisa, o gasto com assistência médica ganhou peso em relação ao último levantamento realizado seis anos atrás, passando de 6,5% para 7,2%. A especialista em saúde pública Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), disse que o reajuste dos planos de saúde e dos preços dos medicamentos acima da inflação pode explicar o gasto maior das famílias com assistência médica. “O efeito disso no orçamento familiar é grande e preocupa muito. As pessoas são obrigadas a desviar recursos destinados à cultura e lazer para a saúde”, disse Lígia.

Para a professora da UFRJ, o ideal seria que as agências reguladoras inibissem os reajustes considerados exagerados. O peso dessa classe de despesas é o mesmo para ricos e pobres. A diferença fica no destino dos gastos. Entre os mais ricos a despesa é maior com plano de saúde e entre os mais pobres, com remédios.

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